O que é a Personalidade - parte 2 - Allport vs Freud

Uma das pessoas mais influentes na atual compressão da personalidade foi Allport.

2. O modelo dos Traços

Allport, psicólogo norte-americano, na altura ainda jovem, estava de viagem pela Europa. Este decidiu fazer um desvio e ir a Viena conhecer Freud pessoalmente. Deste encontro, o jovem psicólogo sai com alguma amargura, mas também com a forte convicção que nem tudo na vida tem um significado profundo ou escondido e que às vezes as pessoas são exatamente o que dizem ser.

Allport iniciou a sua jornada pelo o estudo das definições de personalidade mais válidas do seu tempo, concluindo que "a personalidade é a organização dinâmica, dentro do indivíduo, daqueles sistemas psicofísicos que determinam os seus pensamentos e comportamentos característicos" (Allport, 1961).

Nesta definição entendemos que a personalidade tem simultaneamente uma estrutura e não permanece sempre igual ("organização dinâmica"), também é psicológica e biológica ("psicofísicos") e é a razão dos comportamentos e pensamentos da pessoa ("determina").

Para estudar a personalidade, Allport e o colega Odbert, começaram pela fonte. Decidiram examinar todas as palavras do dicionário (Webster's New International Dictionary), convictos que as diferenças entre pessoas que são mais relevantes acabam, inevitavelmente, por ser expressas na linguagem do dia-a-dia. Então tudo aquilo que uma personalidade pode ser estaria escrito no dicionário.

Identificaram 17.953 palavras que referiam aspetos do comportamento e maneiras de ser.  Este empreendimento ficou conhecido pela a hipótese lexical, uma ideia que já tinha sido posta em prática anteriormente por Francis Galton em 1854.

Da lista inicial, vieram a estabelecer novos critérios que permitiram reduzir o achado para 1000 palavras descritoras da personalidade. Estas, seriam palavras como extrovertido, introvertido, divertido, sério, honesto, simpático, agressivo, triste...

Allport denominou essas palavras de Traços de Personalidade, explicando que Traço é a designação dada aos sistemas psicofísicos que perpetuam o comportamento/pensamento do indivíduo, de uma forma mais ou menos estável, independentemente da situação (torna estímulos variáveis em equivalentes).  De uma forma mais específica, um traço, é literalmente o modo que usamos para descrever alguém ou nós próprios.

Os Traços podem, ainda, ser divididos em 3 tipos:

  • Cardinais: são traços dominantes e são a forma mais determinante das ações da pessoa. Nem toda a gente tem Traços cardinais, ou seja, características que explicam toda ou quase todas as suas ações.

  • Centrais: são outras características também presentes, mas que não são tão poderosas como os cardinais.

  • Secundários: estes são pequenas peculiaridades próprias da pessoa, mas que não são necessários para compreender a pessoa.

Um exemplo de um traço cardinal seria qualquer palavra que conseguimos utilizar para descrever a maior parte das ações de outra pessoa. Por exemplo, podemos dizer que alguém tem o traço cardinal de "amigável" quando, independentemente da situação, essa pessoa é amigável com toda a gente. Se a pessoa só for amigável em determinadas situações então já é um traço cardinal ou central. Já os traços secundários são coisas menores como a preferência por filmes de comédia em vez de filmes de terror, gostar mais de magnuns em vez de cornettos...

2.1. Como compreender a personalidade nesta perspetiva

Allport acreditava que os traços não operam de formas iguais em diferentes pessoas, pois cada pessoa é única e, então, teriam de ser estudadas individualmente, particularmente através de estudos de caso longitudinais. 

Acreditava, também, que métodos indiretos de medir a personalidade como o Rorschach (aquilo dos cartões de tinta) não funcionavam, explicando que uma pessoa bem-ajustada (ou seja, sem conflitos inconscientes) revelaria no teste, a sua interpretação consciente, e que para isso, bastava perguntar diretamente à pessoa.

No entanto, o trabalho nos traços de personalidade criou a fundação de um dos modelos mais concisos da atualidade, o modelo dos 5 Fatores/ Big Five, que veremos mais à frente.

Referências

Até à próxima,

Ricardo Linhares

Instagram @linharespsicologiaVer no Google

Ricardo Linhares

Consultas de Psicologia

© 2021 - 2025

Ordem dos Psicologos Portugueses (OPP)Association for Contextual Behavioral Science (ACBS)